Comunicações

EM DEFESA DO FOLCLORE

Podemos definir, genericamente, o FOLCLORE, como sendo um ramo da etnografia que espelha a arte popular, iletrada ou não, quase sempre anónima, bastas vezes recolhida da tradição oral.

É a expressão popular, caracterizando um povo ou parte dele, em simbolismo artístico que se exprime através do conto, adivinha, lenda, poema, adágio, sentença etc. etc. Mas também em outros simbolismos conotados com actividades culturais, e que se exprimem pelo canto, pela dança, pelo teatro popular.

Assim, o folclore é também os usos e costumes das tradições sócio-espirituais transmitidos por via harmoniosa, lírica, bastas vezes poética, pelos povos evoluídos, ditos civilizados. Só estes têm folclore. Os primitivos, os não letrados, não têm folclore; têm a expressão da sua cultura latente, actual. Se essa arte é simbólica, simboliza o presente. O Folclore refere-se ao passado.

Enquanto alguns dos cantares polifónicos do povo alentejano, as cantigas e danças tais como o marcadinho, puladinho, as saias, salto e bico, bailarico, baile campaniço e o de roda, o chegadinho, etc. são reminiscências da nossa cultura que exprimem factos sociais de outrora, hoje apenas como valor simbólico-histórico e por isso folclórico.

São aqueles que tradicionalmente suportam a História até ao arcaísmo com forte simbolismo ritual do religioso, mágico, laboral, social; são todos estes elementos que constituem o folclore.

As danças e cantares das tribos dos povos não civilizados são expressões somente da sua sociedade actual. As nossas são históricas, na medida que relatam algo do passado.

Mas... Maurice Louis, na sua obra Le Folclore et la Dance, citado pelo nosso saudoso comprovinciano, Tomás Ribas, homem estudioso do folclore, na sua obra Danças Populares Portuguesas, diz-nos que é necessário precisar o que é folclore, o que é popular e o que é popularizado.

Será popular o que foi criado no seio do povo, ou aquilo que agrada ao povo, de que o povo se apropria; popularizado é o que é extra-popular, mas que passou para o povo.

Por sua vez, folclórico, são os factos tradicionais nos meios populares. Chama--se a atenção para o facto de o Folclore ser popular. Mas nem tudo que é popular é folclore! Assim, como o que é popularizado, por força da sua divulgação, poderá, se o povo o entender ( o aceitar, fazer uso dele ) poderá vir a ser popular. Mas não é necessário que aquilo que é popular, tenha antes sido popularizado.

É verdade que, por vezes, é difícil distinguir entre folclórico e simples cantares ou bailados como alguns fandangos, bailaricos e viras que não passam de danças populares, pois o povo recebeu e deles faz uso pelo simples prazer de cantar e/ou bailar. Apenas de função lúdica, uma vez que não têm qualquer carga simbólica, referência sóciocultural.

Infelizmente, nem sempre o povo sabe avaliar o tesouro folclórico que possui e muitas vezes menospreza a sua própria valia. Mas também é verdade que por vezes valoriza algo que não tem validade e toma gato por lebre. Bastas vezes organiza agrupamentos vestidos com trajos de trabalho ou simples vestes locais. Cantam e dançam umas cantigas em uso na sua terra ( por vezes nem isso ) e vá de apelidarem o grupo de folclórico. Na melhor das hipóteses, poderá ser um grupo de danças e cantares etnográficos, ou rancho etnográfico. Para ser folclórico falta-lhes o suporte representativo, simbólico de actividade cultural do lugar.

Já em tempos, numa cidade alentejana um pseudo grupo folclórico, ricamente vestido, agradavelmente dançando e cantando, tinha no seu programa: letras de fulano (do ensaiador ); música de beltrano ( o maestro da orquestra acompanhante); guarda roupa de cicrano e cenários de tal e tal.

Se o programa faz lembrar teatro musicado, eram na verdade autênticos quadros musicados de revista, que se viam e ouviam com agrado. Mas, de folclore, nem a ponte dum chavelho.

Uma freguesia do concelho da Amadora tinha dois grupos ditos folclóricos. Um, nascido no seio da paróquia local, trajava os característicos fatos madeirenses e bailava ao som de músicas de várias províncias nacionais.

O Outro, trajando à moda do Minho, bailava marchas dos santos populares de Lisboa com letras mal construídas, a martelo, enaltecendo as belezas da freguesia que de belezas nada tem.

Ambos os grupos eram subsidiados pela autarquia local. Que pelos vistos também não tinha consciência do que estava fazendo.

Mas também assistimos após o 25 de Abril de 74 a um período de anarquismo que de igual modo atingiu a arte popular poética e etnomusical: várias letras de modas tradicionais conhecidíssimas no cante alentejano, foram substituídas por letras revolucionárias, bastas vezes, pretensamente revolucionárias, sem beleza de espécie alguma.

Lopes Graça, a propósito da recolha etnomusical de Michel Giacometti no Alentejo, dizia:

Testemunham de uma formação, de uma vivência estética colectivas que muito podem prender a atenção da sociologia e da etnomusicologia :

E mais adiante:

A música tradicional não se reduz aos cantos corais. Compreende outras espécies. A que por ventura se tem prestado menos reparo.

Não constituirá grande temeridade o definir o povo alentejano como sendo o mais musical da gente portuguesa.

A gravidade que põe no acto de cantar para ele verdadeiro acto de identificação colectiva de comunhão espiritual com os do seu sangue e da sua pátria, por onde quer que vá, onde quer que se encontre.

Assim, achamos por bem, fazer uma chamada de atenção a todas as autarquias para que incentivem todos os agrupamentos de arte etnográfica e folclórica – riqueza musical e coreográfica do nosso Alentejo. Que ponham ao serviço desses grupos as ajudas possíveis, não só financeiras mas também de aconselhamento e orientação, quando for caso disso, por pessoas abalizadas em identificação e pesquisa, a fim de não cairmos em situações enganosas, ridículas, pimbescas.

Que se ampare, divulgue e ajude o nosso folclore e a etnomusicologia, mas com consciência e dignidade; para que sejam dignos representantes da nossa riquíssima arte de tocar, bailar e cantar.

 

Manuel Xarepe

Bento de Jesus Caraça